
Por alguma razão que desconheço, foi meu professor não um, mas dois anos, ao contrário do que era costume, na Faculdade de Arquitetura. Por isso tive a sorte de aprender dois anos com ele; e, se tivesse de apontar apenas um professor importante na minha formação, o MGD seria o tal. Sei que, cada vez que entrar no LuCa, me vou lembrar dele.

Não sou grande fã do seu trabalho como arquiteto, mas foi com ele que aprendi a projetar, a repensar, a tirar lições da arquitetura sem arquiteto, a defender ideias, a encontrar a beleza em lugares estranhos. Foi também com ele que aprendi que o humor pode ser uma ótima ferramenta: de projeto e de vida.

Porque me pediram um pequeno estudo, tenho andado às voltas com livros sobre e à volta da arquitetura para miúdos. Mas não é um desses que escolho hoje para este in memoriam.
Porque não é o arquiteto que aqui quero homenagear, mas sim o grande Professor, pulsante, que nos provocava sempre de forma a nos abanar os alicerces. E sei que este Supõe... seria certamente do seu agrado.

As ilustrações com figuras estranhas e não exatamente bonitas ou agradáveis, as cores vivas e vibrantes, o humor e o inusitado, as sobreposições e perspetivas arrojadas — são tudo ingredientes de que gostava e nos ensinava a valorizar.

Ainda antes dos seus programas na RTP e dos seus livros, cativava-nos pelas imagens que escolhia para os slides provocadores e excêntricos que comentava, à média luz, no Convento de São Francisco, ao Chiado — onde tive a sorte de ainda frequentar o meu primeiro ano.

Acabados de chegar à Faculdade, éramos muito tenros para aguentar as suas críticas mordazes, mas tive a sorte do Professor gostar sempre muito do conjunto de desenhos que lhe tínhamos de mostrar à 3ª feira — terror dos meus colegas. Esses elogios deram-me a segurança para avançar no meu caminho. Eu, que tanto aprecio a Maria Montessori, discordo dela nesse campo: passo muitas vezes por trás dos meus alunos e atiro um elogio. É que um elogio, na altura certa, é um combustível para um bom trabalho.

A maior rabecada que recebi numa apresentação, foi por ter gasto todas as ideias no primeiro projeto: Ó menina, disse-me, então foi gastar as ideias todas num projeto! Isto parece um parque de diversões!? Bastava ter pegado numa destas ideias e desenvolvê-la. E depois deu-me uma boa nota, porque havia ali potencialidade e, afinal, era o nosso primeiro projeto.

Sei que sou bastante exigente enquanto mãe e enquanto professora e, neste segundo departamento, julgo que o sou porque aprendi a repensar ideias a partir das críticas dele. Divertido e entusiasta, sem papas na língua, via-se que não gostava de perder tempo. Mas sabia ouvir, embora tenha deixado em lágrimas vários colegas meus, com a dureza das suas críticas, muitas vezes demolidoras.

Ensinar passa por nos pormos na pele do outro e pegar em ideias que provavelmente não teríamos, porque não são as nossas, e fazê-las crescer. Mas também pode passar por demolir para abrir espaço e ser depois possível construir alguma coisa melhor. E isso não é nada fácil de fazer.

Este Supõe... é um conjunto de suposições, de situações, de pensamentos que talvez tenhamos imaginado enquanto crianças — que talvez ainda imaginemos —, mas que não era, não é, suposto verbalizarmos. O MGD verbalizaria.
Uma espécie de livro clandestino no universo dos álbuns ilustrados, como muitas vezes o foi MGD no universo da arquitetura dos arquitetos.

Vou ter saudades de o encontrar por aí com o seu boné e de lhe acenar com um "Professor" e não com um "Arquiteto", como é costume na profissão, porque gostava de lhe lembrar que tinha sido sua aluna. E que tinha muito orgulho nisso.

Este foguetão é para ir ali a lua e voltar, Professor!
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Supõe...
Bruaá, 2018
texto Alastair Reid, ilustrações JooHee Yoon
isbn 9789898166401
Que bonito, Sara! Bela homenagem.
ResponderEliminarObrigada, querida Isabel! As homenagens são o pouco que podemos fazer para minimizar a perda e aumentar a vida, não? Beijo
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