No que diz respeito à tristeza, a minha teoria é que esta deve ser enxotada para fora o mais rapidamente possível. Sou do gérero despachado e é com esse espírito que vou tentando encaminhar filhos e alunos: de chutarem a bola para a frente. Teoria, sublinho.

Sou dada a luas e a tristezas, se o dia amanhece cinzento ou mesmo sem saber porquê. Vivo rodeada de pessoas que me dão cartas neste assunto de viver cada dia como único que é e espero, como o vinho, melhorar com a idade.

Mas, muitas vezes, na vida, há mesmo daqueles sem-saber-porquês tramados e aí toda a gente sabe de onde vem a tristeza.

Neste livro ela é uma sombra verde-água (embora haja discussões quanto a esta cor aqui por casa) que acompanha um miúdo por uns dias. Meses? Anos?

Há uns dias contaram-me a história de um músico a quem tinha morrido a mãe aos 7 anos e que, só em adulto, descobriu que podia escolher não ser uma pessoa triste, que isso não fazia realmente parte de quem era. Que alegria de descoberta!

O modo como é aqui tratada esta tristeza, entre o mostruosa (porque enorme) e o fofinha (porque querida — de querer, mesmo!), é totalmente fora do modo como sempre a tratei. E, se muitas vezes o que gostamos num livro é da forma como nele está escrito, ilustrado, contado algo que sabemos exatamente como é e o que é, neste caso, o que gosto na história é da forma tão estranha para mim como a tristeza é tratada e, literalmente, encarada.

Em vez de ignorada, enxotada, bola para a frente — como eu defendo e está na guarda da frente do livro, a tristeza é aqui aceite, bem recebida, acarinhada, acompanhada — com as consequências visíveis na guarda do final do livro.

As ilustrações que tratam esta sombra graficamente de forma translúcida como uma espécie de fantasma, são calmas e tranquilas. As páginas muito brancas e a economia do desenho e no uso das cores também elas suaves, ajudam também a criar um ambiente muito semelhante à película que se agarra a nós quando a tristeza chega e nos põe a ver o mundo meio embaciado.

Em volta, a vida decorre como sempre no dia-a-dia do miúdo. Como decorre também fora da película que às vezes nos embrulha.
Mas a tristeza desaparece, um dia. Como sempre, sabemos. É certo que por vezes deixa uns grãozinhos para trás, presos no cantinho dos olhos ou do coração. Mas vai. E também, nesta história, o fantasma-tristeza lá acaba por se ir embora, não sem antes conseguir deixar um sorriso no cantinho da boca do miúdo.

Porque, tão certa quanto a hora da tristeza, é a hora da alegria — e que venha ela para todos os que sofem de january blues ou de alguma tristeza daquelas que pesa com razão no colo, como uma mancha verde-água, cor de lágrima humana.
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Quando a tristeza chama
Livros Horizonte, 2019
Eva Eland
isbn 9789722418942
1

Sou dada a luas e a tristezas, se o dia amanhece cinzento ou mesmo sem saber porquê. Vivo rodeada de pessoas que me dão cartas neste assunto de viver cada dia como único que é e espero, como o vinho, melhorar com a idade.

Mas, muitas vezes, na vida, há mesmo daqueles sem-saber-porquês tramados e aí toda a gente sabe de onde vem a tristeza.

Neste livro ela é uma sombra verde-água (embora haja discussões quanto a esta cor aqui por casa) que acompanha um miúdo por uns dias. Meses? Anos?

Há uns dias contaram-me a história de um músico a quem tinha morrido a mãe aos 7 anos e que, só em adulto, descobriu que podia escolher não ser uma pessoa triste, que isso não fazia realmente parte de quem era. Que alegria de descoberta!

O modo como é aqui tratada esta tristeza, entre o mostruosa (porque enorme) e o fofinha (porque querida — de querer, mesmo!), é totalmente fora do modo como sempre a tratei. E, se muitas vezes o que gostamos num livro é da forma como nele está escrito, ilustrado, contado algo que sabemos exatamente como é e o que é, neste caso, o que gosto na história é da forma tão estranha para mim como a tristeza é tratada e, literalmente, encarada.

Em vez de ignorada, enxotada, bola para a frente — como eu defendo e está na guarda da frente do livro, a tristeza é aqui aceite, bem recebida, acarinhada, acompanhada — com as consequências visíveis na guarda do final do livro.

As ilustrações que tratam esta sombra graficamente de forma translúcida como uma espécie de fantasma, são calmas e tranquilas. As páginas muito brancas e a economia do desenho e no uso das cores também elas suaves, ajudam também a criar um ambiente muito semelhante à película que se agarra a nós quando a tristeza chega e nos põe a ver o mundo meio embaciado.

Em volta, a vida decorre como sempre no dia-a-dia do miúdo. Como decorre também fora da película que às vezes nos embrulha.
Mas a tristeza desaparece, um dia. Como sempre, sabemos. É certo que por vezes deixa uns grãozinhos para trás, presos no cantinho dos olhos ou do coração. Mas vai. E também, nesta história, o fantasma-tristeza lá acaba por se ir embora, não sem antes conseguir deixar um sorriso no cantinho da boca do miúdo.

Porque, tão certa quanto a hora da tristeza, é a hora da alegria — e que venha ela para todos os que sofem de january blues ou de alguma tristeza daquelas que pesa com razão no colo, como uma mancha verde-água, cor de lágrima humana.
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Livros Horizonte, 2019
Eva Eland
isbn 9789722418942