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25.1.24

Chega de ser piolha

Das mãos-árvores-pássaro, passamos para "punhos que servem para se abrir, e [os] dedos para levantar voo."
Penso em todas as "piolhas" que andam no mundo a fazer pela vida. Em lugares limite — que estes nomes eslavos fazem ressoar — ou mesmo aqui ao lado. Meninas demasiado cedo mulheres, demasiado cedo combatentes, demasiado cedo sem futuro.
Esta é a piolha Pavlina, que tem três irmãos um pouco alarves, um pai um pouco frágil e uma mãe muito (definitivamente?) ausente.
Por ser a mais nova e menina, tem mais trabalho do que todos, pois a base de negociação para a responsabilidade da realização das tarefas domésticas é decidida pela força física. E ela é a mais nova e miúda e está em desvantagem. Mas é mulher — e as mulheres têm de facto muita força.
E é por isso que decide trocar os dedos no piano pelas mãos nas luvas de boxe. Nessa altura já o pai mostra saudades de Mozart. Ah pois. Mas a verdade é que a miúda começa a ganhar pontos (e libertação de algumas tarefas domésticas) em relação aos irmãos e decide que chega de ser piolha.
Tem medo, mas a determinação é mais forte. Isto é crescer. Passar de piolha a Pavlina não é tarefa fácil, mas é absolutamente necessária.
O livro tem poucas duplas páginas; antes, vive do contraste entre a página da esquerda e da direita, onde se confrontam realismo e abstração. Direita e esquerda são trabalhadas com as mesmas cores variando as texturas, funcionando como uma espécie espelho mágico, onde a realidade se reflete de maneiras loucas.
No clímax da história, afinal os irmãos brutamontes não são totalmente insensíveis e a fragilidade do pai transforma-se em delicadeza. 
E é (também) por isso, que Pavlina consegue conquistar o espaço para ser quem realmente quer ser.
Por vezes é preciso bater o pé ou erguer o punho. Mas é bom que depois haja finalmente espaço e confiança para poder abrir as mãos e levantar voo.
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Piolha
Orfeu Mini, 2023
Rémi Courgeon
isbn 9789899071728

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